Versão integral da entrevista concedida
ao Portal A Capa O "Turin Photo Festival", um dos festivais mais importantes de fotografia mundial que começa em dezembro na cidade italiana, terá a presença de um brasileiro: Pedro Stephan será o único fotógrafo a apresentar um ensaio com a temática LGBT. "Luana Muniz, a Rainha da Lapa" ficará em cartaz até outubro do ano que vem no Centro Cultural Antiga Manufatura de Tabaco. O ensaio, que estreou no FotoRio 2009 e atraiu um público de mais de 3 mil pessoas, traz imagens fortes e impactantes da travesti conhecida por chefiar as transgêneros que circulam à noite no bairro da Lapa, no Rio de Janeiro. Luana ficou conhecida do grande público por causa do bordão "Tá pensando que travesti é bagunça?", que se popularizou após sua aparição em uma reportagem de TV. Conhecida como a "nova Madame Satã" - em referência ao malandro homossexual carioca -, Luana é também empresária e produtora cultural. Durante três anos, a travesti virou personagem para as lentes de Pedro Stephan, que reuniu cerca de 140 imagens para a exposição. Esta será a segunda vez no ano que o fotógrafo brasileiro expõe seu trabalho na Europa. Em julho, o ensaio "Entre Amigos & Amores - espaços de socialização GLS do Rio", que apresenta a diversidades dos points gays, ficou em cartaz em Madri, na Espanha. Na entrevista que você confere a seguir, Pedro Stephan fala de suas expectativas para a mostra em Turim e revela seu desejo de transformar seu último ensaio em uma mostra nacional, desvendando os espaços LGBT do interior e das grandes cidades. Esta será sua segunda exposição na Europa este ano. Como foi a receptividade do público na mostra passada e qual é a sua expectativa para esta em Turim? O resultado da minha exposição em Madri foi inesperado. Produzi o melhor que pude, caprichei, mas sem grandes expectativas. No dia do vernissage foi o povo convidado do festival, e pensei: "Bom, amanhã não vem ninguém, vou aproveitar e visitar o Museu do Prado." Então fui à galeria de manhã, logo que abriu, para deixar mais uns convites/flyers e ver se estava tudo OK, e quando cheguei lá havia umas 5 pessoas vendo a exposição. Quando vi eram 20h30 e eu nem havia tomado café da manhã, acho que foram umas 70 pessoas naquele dia. É claro que no meio disso tudo, corri para o hotel que ficava ali do lado, peguei a máquina fotográfica para registrar (porque se eu contasse ninguém iria acreditar) e ainda fui numa loja e comprei um caderno para o pessoal assinar. Fiquei mais 3 dias em Madri e em todos eles a galeria encheu. No último dia me atrasei para o vôo, porque as pessoas chegavam à galeria e eu não conseguia ir embora, mas é claro: ficava babando de felicidade de ver aquele público lá. Fui olhar o caderno que havia deixado sobre a mesa e havia umas 17 páginas assinadas. A delicadeza do "Entre Amigos e Amores" emocionava as pessoas exatamente como aconteceu aqui no Brasil em todas as vezes que foi exibido. Honestamente, não achava jamais que isso iria acontecer. Quanto a Turim, idem: faço a minha parte sem expectativa alguma. Meu trabalho tem integridade: fiquei 3 anos lá [na Lapa, no Rio], sozinho, sem ninguém me bancar, indo e vindo nas madrugadas e algumas pessoas ainda riam de mim, por fotografar Luana e suas colegas. Isso já me basta. Com a exposição "Luana Muniz, a Rainha da Lapa" você será o único brasileiro a integrar a programação da mostra. Qual é a importância para a cultura LGBT brasileira? O Festival de Turim este ano homenageia a foto brasileira e selecionou alguns fotógrafos para exibirem seus trabalhos. Vão grandes nomes da foto brasileira e alguns fotógrafos emergentes, euzinho que não sou ninguém estou entre os emergentes. Fui incluído porque os diretores do festival viram a "Luana, Rainha da Lapa" no FotoRio 2009 e gostaram bastante. Lá, sou o único fotógrafo brasileiro abordando a temática LGBT. Estou levando para o exterior um olhar, uma representação fotográfica sobre a comunidade homossexual brasileira. Nós temos questões que são tipicamente nossas, costumes, ritos, estilo de vida e uma diversidade e pluralidade que só existem aqui. Porque somos mestiços, temos sincretismo religioso, cultural e humano, criamos um tempero nosso, uma maneira de pegar o que vem de fora e recriar à nossa maneira. Isso é o que temos de melhor, e minha obra é toda voltada para isso, valoriza e enfatiza essa questão. Por ser um tema forte e polêmico - uma travesti que comanda a prostituição na Lapa - você teme uma repercussão negativa ao seu trabalho? Temia muito isso no FotoRio 2009, mas foi um sucesso. As pessoas têm uma imensa curiosidade sobre o tema e achavam que iriam ver mais uma coisa trash sobre travestis. Mas quando chegavam lá e viam delicadeza, humor, sensualidade e humanização daquilo que consideravam monstruoso, ficavam encantadas. Minha posição em relação à prostituição transgênero é a mesma que a ONG Daspu propõe sobre o tema: não há como acabar com a prostituição. Então vamos humanizá-la, vamos tornar isso uma profissão mesmo, com carteirinha de identidade, com possibilidade de pagar INSS e se aposentar. E ainda mais: reconhecer que elas prestam um serviço para a sociedade, podem dar carinho para os clientes, podem satisfazer a sede de sexo e contato físico que muitos têm e precisam saciar, porque sexo é uma coisa muito importante na nossa vida. Essa rejeição à prostituição tem um fundo religioso e moralista. Os cafetões se alimentam exatamente da marginalização dessas pessoas e da repressão. A partir do momento que forem incorporadas à sociedade, tiverem seus direitos reconhecidos e sua atuação for tida como profissão, o poder dos que abusam delas vai diminuir ou até acabar. Qual era seu objetivo quando resolveu retratar Luana Muniz? Em quais aspectos da vida das travestis você quis focar? Conheço bem o repertório de abordagem em foto e vídeo da temática transgênero nas galerias e nos festivais de arte, e é sempre a mesma: ou a vida privada delas, ou então o erotismo. Fui para o outro lado, quis mostrar aquilo que vemos todas as noites, ficamos curiosos com aquele movimento, mas nunca é representado sob forma fotográfica: o trottoir, a pista, que para mim é uma performance, um balé de sedução. E elas passam o dia inteiro se preparando para aquele momento. Quis revelar o vai-e-vem sutil, a atmosfera exótica e sensual criada pelas luzes artificiais do cenário noturno da Lapa, que tem a tradição do sexo, da prostituição, do fetichismo. Luana é um ícone daquele lugar, faz parte daquela paisagem. Ela gosta de se prostituir e de se exibir, e a personagem que ela criou é uma encarnação da mulher-gato do Batman: uma badgirl, sedutora, sensual e... perigosa. E esse "perigo" é que dá tesão nos homens. Qual é o papel do fotodocumentarismo hoje em dia, principalmente em relação às populações mais marginalizadas? Arte é moeda corrente, ela desfaz os preconceitos revelando o outro lado das coisas, angaria a simpatia e solidariedade do público em relação a coisas tidas como malditas. E apresenta questões tabu das quais a sociedade se esquiva, ou finge que não existem. Você já tem algum novo projeto em mente? Sempre quis fazer uma versão do "Entre Amigos e Amores" nacional, fotografando os espaços LGBT (e consequentemente as pessoas, a cultura e o estilo de vida) de alguns dos mais importantes centros urbanos, e em lugares do interior onde essa comunidade existe, produz cultura e resiste ao preconceito. Diariamente vejo notícias de paradas gays nos locais mais distantes e diversos do Brasil, sei que o governo apoia financeiramente esses eventos, investe nisso. Mas não existe uma representação sob forma de imagem feita de uma maneira sistemática, organizada, e com valor artístico, dessa imensa revolução comportamental que estamos vivendo em 2 mil anos de história da civilização ocidental e de 500 anos de história do Brasil. Tenho experiência nesse métier, minha história de vida está ligada a isso, desde as primeiras paradas, encontros da militância, e dos primeiros passos da imprensa gay da era pós-Aids eu estava lá: fotografando e escrevendo, e sou reconhecido pelo meu trabalho. Então acho que eu merecia ter apoio logístico e financeiro para produzir, e que a comunidade LGBT do Brasil merecia ter essa obra. Pra nos vermos, pra sociedade nos ver, pra outras culturas nos conhecerem, e para ficar pra posteridade. Esse é o meu grande projeto. |
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