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Versão integral da entrevista concedida

via e-mail ao jornalista Gustavo Padovani da Revista Aimé

 

1 - Em um de seus discursos, Che Guevara declarou que “o verdadeiro revolucionário é guiado por grandes sentimentos de amor”. A sua atuação como militante do movimento homossexual brasileiro também segue essa cartilha? O que motivou e ainda motiva a sua batalha?

A luta do Che era pela justiça social que naquela época acreditavam que se resumia na questão ricos x pobres. Mas a partir dos anos 50/60, surgiu uma terceira via nos movimentos sociais, onde outras questões, (que não eram e nem foram resolvidas pelo comunismo), de igualdade racial, do movimento de emancipação das mulheres, o gay lib, o ambientalismo etc. eram consideradas tão importantes quanto, e não estavam desvinculadas do socialismo.

Nós homossexuais passamos dois mil anos sendo perseguidos, excluídos e assassinados por um preconceito criado por religiões que demonizam a nossa sexualidade. Mas ao contrário das outras minorias nós temos que construir uma auto-estima e consciência de classe a partir de nós próprios. Veja bem: um rapaz afro –brasileiro, tem os pais negros, os avôs negros, uma cultura africana como legado e ele pode construir uma ancestralidade, uma auto-estima e boa consciência das suas origens.

O homossexual nasce num lar hetero, onde pais, avós, são hetero, e que desejam que ele siga seus exemplos. Essa pessoa vive numa sociedade esmagadoremente heterossexista, que cultiva um ódio e um mêdo milenar contra os homossexuais.

Então ele parte do nada. E é uma trajetória que tem várias etapas que são: 1- Olhar no espelho e dizer “a minha é outra, eu sou homossexual”, 2-Construir a auto–estima e dizer pra si mesmo: “é legal ser homossexual, não é doença, nem pecado, nem sem-vergonhice, essa é a minha natureza, eu tenho orgulho de ser homossexual” 3- Encontrar seus pares, fazer amigos, se socializar 4-Lutar para que nessa sociedade onde vive, sua cidadania possa existir e ele ter os mesmo direitos que os outros cidadãos e não seja discriminado.

Eu passei por tudo isso, nasci numa outra época, onde o sexo era fácil, mas a identidade homossexual e a cidadania eram zero. E depois veio a AIDS, logo no iníciozinho da minha juventude, e as coisas pioraram muito. E eu fui pra militância porque queria viver em paz, sem ser discriminado, sair na rua sem ser apedrejado, poder ter os mesmos direitos que as outras pessoas e não ter que viver apavorado, me escondendo.

Não tinha ninguém, nem nunca teria alguém pra fazer isso por mim, então eu fui lá e fiz. Não foi exatamente um “sentimento de amor” do Che, e sim desejo de querer viver, poder existir. E apesar de muitas conquistas, enfrento diáriamente, situações de preconceito, discriminação e constrangimentos.

2 - Em 1997, você criou o primeiro panfleto de anti-violência homofóbica no Rio de Janeiro. Treze anos depois, quais diferenças você enxerga ao comparar as duas épocas e quis das intenções colocadas no documento realmente se concretizaram?

Não existia nada, era cidadania zero, gay significava doença, peste. No Brasil, o pouco que havia sido construído nos anos 70 foi destruído pela epidemia da AIDS, que além de matar muitas pessoas da liderança gay, foi infelizmente a base e sustentação do neo-conservadorismo e do fundamentalismo religioso que tomou conta do mundo. Não havia paradas gays com milhares de pessoas, o gay só parecia na mídia como ridículo, covarde e estereotipado (isso ainda acontece né?) o viciado, ou doente.

Não havia políticas publicas, as autoridades ignoravam a militância gay, achavam que éramos umas bichas ridículas querendo aparecer. As pessoas saíam nas ruas e eram cercadas por gangues que queriam linchá-las e nada havia para ser feito. A polícia dava batidas em boates gays, e o pior de tudo: dentro do meio gay a solidariedade, a auto-estima, a consciência política eram praticamente nulas. Se você fosse surrado no meio da rua, ninguém viria te socorrer, e depois que você estivesse todo arrebentado, caído na calçada os “colegas” ainda iriam ficar rindo e dizendo “ih bem-feito quem mandou ele não saber correr?”.

O panfleto anti-violência foi criado porque os glbt não sabiam que homossexualidade não é crime no Brasil, e que tinham direitos como cidadãos. Então se um policial visse um casal de mãos dadas e batesse, os pusesse num camburão e saísse rodando com eles por horas, achavam que estava certo. Que ser homossexual era proibido e fora-da-lei. E se as gangues os linchassem, eles achavam que não tinham direito de chamar as autoridades, denunciar de exigir providências, porque ser gay era “crime de pedrastia”. Achavam que não tinham direito de se reunir, de andar pelas ruas, e que a qualquer hora qualquer estabelecimento gay poderia ser invadido e eles serem esculhambados.

Então muita coisa mudou em relação á isso, e ainda temos uma longa estrada pela frente na construção da nossa cidadania. Mas o preconceito está aí fervendo, e continua sendo alimentado diariamente nas pregações das igrejas e instituições conservadores. E o que vivemos na contemporaneidade é uma grande embate entre as forças conservadoras e fundamentalistas versus os movimentos sociais libertários. E é importante lembrar: todas as conquistas não são eternas, para que elas permaneçam temos que continuar zelando por elas.

3 - De alguma maneira, você acredita que a evolução das mídias (internet, televisão e etc) corrobora para diminuir o preconceito da sociedade para/com os cidadãos LGBTT?

Vou falar da internet, porque a televisão é retaguarda, tudo o que aparece na telinha vem como reflexo de coisas que já estão acontecendo. Ela só responde a essas tendências.

Então posso dizer que a mídia eletrônica ajudou muito por um lado, mas fez um tremendo estrago por outro.

Deixe-me explicar: quando eu era criança e comecei a descobrir que curtia garotos, eu me sentia o pior dos mortais e terrivelmente só.

Não tinha ninguém que me dissesse que aquilo que eu ouvia em casa: de que homossexualidade era pecado e doença, era uma idiotice.

E que existiram e existem gays fabulosos que fizeram coisas extraordinárias e deixaram legado pra história da humanidade. Não havia um lugar pra eu ler sobre isso. E se houvesse, eu não poderia levar esse livro pra casa, porque seria descoberto por minha família. Não havia um lugar aonde eu pudesse conhecer outros gays sem que fossem locais meio barra–pesada, ou pelo menos um lugar só para pessoas adultas e assumidas.

Hoje em dia, tanto para os jovens, quanto para os adultos que estão se descobrindo homossexuais, existe essa porta: a internet, que é realmente uma saída pra criação consciência de orientação sexual e construção de uma boa auto-estima. E pode ser acessada com privacidade, pode-se fazer amigos através dali, isso sem a pessoa se expor para a família e a sociedade antes de estar fortalecida e consciente de sua orientação sexual.

Anos atrás, quando eu fui pela primeira vez no Gay Day, em Sampa (evento de confraternização homossexual que acontece num parque de diversões, um dia antes da parada gay) e vi aquelas turmas imensas de adolescentes, todos eles felizes da vida com seus namoradinhos, bem resolvidos e indo ali festejar sua orientação sexual e confraternizar, (ainda que muitos iam escondidos dos pais, porque sabiam que não dava pra contar pra família), me emocionei muito. E fiz uma foto com um casal jovem que virou imagem do cartaz da Parada do Orgulho GLBT de SP. Eles eram fruto dessa nova época e de todo o material de conscientização e de cultura que fora produzido e veiculado pela mídia eletrônica. E eu me orgulho muito de ter contribuído com meu trabalho de jornalista e fotógrafo para esse processo.

Mas infelizmente teve o lado ruim que é o seguinte: antes não havia um modelo de como ser homossexual, e as pessoas podiam ser gays á sua maneira e de uma maneira brasileira. As boates gays tocavam musica brasileira. Mas esse espaço de liberdade criado e batalhado pela militância gay dentro da nossa sociedade, foi também ocupado pelo mercado, pelo empresariado gay, que em sua maioria não tem consciência nem política, nem estética e muito menos cultural. Copiaram e que impingiram um modelo muito americanizado, barbieficado, burro, estereotipado e frívolo de estilo de vida gay. Esse modelo só tem como objetivo vender, ganhar dinheiro das pessoas do gueto homosexual.

Então tem o uniforme de gay, a atitude massificada de como ser gay, e até uma maneira de pensar a vida, onde todo gay vive competindo com seus pares ou fazendo carão, que é a coisa mais imbecil que já inventaram. E o consumismo, a beleza e luxo, são propagados como sendo únicos ideais de vida. Isso é muito tacanho e só traz insatisfação, infelicidade, além de ser meio fascista.

Nós não precisamos de imitar gay americano, porque a cultura deles é puritana, pós- industrial onde tudo é formatado, pré-fabricado.

Mas nós somos mestiços e temos o sincretismo como nossa força. Nossa riqueza é a nossa mistura: de culturas, de etnias, de religiões.

A  Alcione é tão maravilhosamente diva gay quanto a Glória Gaynor.

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4 - Gostaria de saber do artista Pedro Stephan. Como e quando nasceram as motivações que levaram você a enveredar-se pela expressão artística e selecionar a fotografia?

Eu venho de uma família classe média e tive oportunidade de estudar muito, ler, ver exposições, assistir shows, filmes, teatro, ballét, óperas. E eu também estudei tudo isso, me formei como ator, fiz sete anos de dança contemporânea, fiz cursos de fotografia e vídeo, e sempre cantei desde criança na igreja. ]E depois, na juventude comecei a ter aulas de canto, fiquei quase 15 anos estudando canto erudito, cheguei a fazer uma carreira como músico, cantava musica erudita, mas tive bandas de musica pop, escrevia letras etc. Quando eu fui pra faculdade de jornalismo, já tinha um background artístico e já havia produzido muitos eventos culturais. E comecei no jornalismo escrevendo sobre artes plásticas, teatro, música, etc.

Sempre fotografei e muitas fotos de divulgação dos eventos que eu produzia saíam nos jornais. Mas nunca me imaginei fotógrafo, porque pra ser fotógrafo até final dos anos 80 a pessoa tinha que entrar no laboratório, e eu tenho uma tremenda alergia respiratória, se eu fico cinco minutos respirando aquele cheiro de revelador, passo mal. E além disso eu queria cantar e cantor entupido não existe. Então eu tinha duas boas razões pra nem pensar em fotografar profissionalmente .Também nunca me imaginei como fotojornalista, porque não é a minha. E eu adoro escrever e sei que tenho o que dizer com o que escrevo.

Mas quando começou os anos 90, toda a revelação dos filmes passou a ser feita em máquinas, o filme colorido e sua revelação ficaram baratos e eu comecei a fotografar aqui e ali. Foi nessa época que surgiu a imprensa gay e logo em seguida a internet. E eu fui escrever pra imprensa gay, que não tinha a estrutura dos grandes jornais, onde tudo é setorizado, ou você escreve ou fotografa. Mas eu vinha do vídeo onde escrevia os roteiros, filmava e editava. E fiz teatro, onde a gente montava as cenas das peças em cima dos textos da dramaturgia. Então na minha cabeça não tinha essa separação entre: cena, imagem e texto.

E comecei a pedir pros editores, pra além de entrevistar ou cobrir os eventos, fotografar também, e como eles não tinham muito recursos pra mandar fotógrafos, deixavam que eu fizesse as duas coisas, e o resultado das imagens era sempre de qualidade.

Em 1996 eu desisti da música e fiquei mal, angustiado, e comecei a fotografar pra mim mesmo, pros outros, pra imprensa, como uma necessidade de me expressar. Eu tinha sido aluno do Marcus Lontra, na época curador do MAM, num curso que ele deu no galpão das artes no MAM no início dos anos 90, chamado “Critica de tudo”. Nesse curso ele falava livremente sobre as artes plásticas, e alguns artistas iam e levavam seus trabalhos pra ele avaliar. Eu estava ali como jornalista que queria se dedicar a escrever sobre artes, mas então ele virava pra mim e dizia ‘ Cadê seus trabalhos? Traga seus trabalhos pra eu ver!’ Eu respondia que estava ali como jornalista, que como artista eu era músico, pertencia a uma outra área.

Então em 1996 eu fotografei as bandas gays do Rio (um desejo antigo meu), a Banda de Ipanema e a Banda da Carmem Miranda, e me lembrei do Marcus Lontra me dizendo “mostra seus trabalhos” e fui levar essas fotos para ouvir o que ele achava daquilo. Pra minha surpresa ele separou umas 20 fotos e me disse “ Bate no peito rapaz, porque não é todo mundo que tem 20 boas fotos pra mostrar” . Eu não acreditei no que estava ouvindo e perguntei se ele escreveria um texto sobre aquele ensaio, ele disse que sim, escreveu o texto, e eu fiz minha primeira exposição de fotos. Foi num lugar alternativo, era um bar gay chamado “Visconde” muito bem transado, num casarão colonial bonito, que ficava localizado no baixo gay de botafogo, que foi o primeiro reduto gay do Rio na era pós-AIDS. E não parei mais.

5 - Quais são suas principais influências na arte fotográfica?

Tenho muita influência das artes plásticas, principalmente dos surrealistas que usavam a foto também como suporte pra criação das suas obras, e deram uma bela contribuição pra fotografia. Adoro Man Ray, e Brassai.

6- Nessa edição, teremos uma matéria sobre um dos pioneiros da fotografia homoerótica no país: Alair Gomes Ribeiro. Ao tratar também de imagens retiradas do cotidiano, de pessoas anônimas e de temática similar, ele exerceu influência em seu trabalho? Você acredita que a obra dele dialoga com a sua de outra maneira?

Na minha formação não, porque o Alair só foi reconhecido depois de morto, agora nos anos 90 (eu já estava fotografando profissionalmente), quando a Maison Cartier comprou uma parte do acervo da obra dele, fez uma mega exposição e editou um livro. Eu conheci o trabalho do Alair na casa do Antonio Cícero, que na época comprou o livro e me mostrou, eu quase caí pra trás. Depois fui em algumas exposições, pesquisei, li, conversei com os amigos dele etc. Ele tinha uma outra profissão, era um acadêmico, pessoa com uma vasta cultura, um aristocrata, e fez aquela obra maravilhosa fotografando durante anos, sabendo que seria pra posteridade.

Mas a obra dele tem pouco a ver com a minha, porque o olhar dele é voyeristico, a câmera está escondida, e as pessoas não sabem que ele está fotografando, e ele trabalhou quase exclusivamente com o homoerotismo e beleza masculina.

Minhas fotos foram feitas numa outra época, aonde a revolução sexual tinha acabado totalmente, mas no meio de uma grande opressão e do estigma da doença, a cidadania gay se afirmava políticamente aqui no Brasil. E eu fiz a obra pra agora, que é o momento de construção da cidadania homossexual depois de 2 mil anos de opressão. Então as pessoas estavam ali com coragem, encarando a câmera, não tem flagrante, as fotos foram feitas com conhecimento e consentimento de pessoas glbts, e sua identidade sexual é uma questão nas minhas fotos. Mau trabalho é sobre o interior da comunidade glbt, nossa sociedade, nossos ritos, nossas celebrações, nosso estilo de vida.

O Alair fotografava Ipanema, os garotos lindos de lá, que deviam ser heteros. Eu fotografei a Farme onde a comunidade homossexual está reunida, e é um fenômeno social.

7 - Quando trata-se da temática homossexual, o que você acredita ter mais abrangência: o seu trabalho artístico ou o seu trabalho militante? Aliás, você acredita ser possível realizar essa distinção entre um e outro?

Não tem nenhuma diferença, tudo é política. Toda atitude, toda posição, inclusive as de neutralidade , de ausência, de omissão são políticas e tem suas conseqüências.

Eu entrei de vez pra militância de vez e criei o panfleto “Xô Coió” porque no dia em que eu fui fazer a ultima reunião de produção da montagem da minha primeira exposição de fotos, num bar no baixo gay de Botafogo, na saída, eu e um colega fomos cercados por uma gangue de uns 9 lutadores. Eles bateram no meu amigo, mas nós corremos muito e escapamos, porque eu me joguei na frente de um ônibus que passava, pra não me atropelar o ônibus parou, nós dois pulamos dentro e o lotação arrancou. Senão nós seríamos linchados.

Aquela experiência mudou a minha vida. Foi um choque pra mim, pessoas que nem me conhecia, sem eu ter feito nada, tentarem me matar. Sim porque 9 lutadores contra 2 que não sabiam brigar, eles iriam nos destruir. Nós fizemos um grupo de 3 pessoas de dentro do grupo Arco-Iris, e criamos uma comissão pra tratar disso, e descobrimos que muitas pessoas já tinham sido arrebentadas.

Tentamos falar com os donos dos bares mas eles se omitiam e só queriam grana dos gays, não desejavam sequer se quotizar para pagarem juntos uns seguranças pra tomar conta do local.

Dei uma queixa crime na delegacia, uma raridade na época, porque nenhum gay entrava em delegacia pra reclamar de homofobia porque de vitima, ele virava réu. E isso só aconteceu porque fui acompanhado de advogados.

Então começamos fazer a campanha de conscientização, fiz o panfleto, e tentava como jornalista pôr a noticia na mídia e colocar a opinião publica ao nosso favor. Isso serviria pra pressionar as autoridades a tomarem uma providência, investigarem os culpados e puni-los. Mas na época a palavra gay só servia de chacota e pilhéria na imprensa. Ninguém dava bola.

E então eu começei a ser investigado pela policia e ser ameaçado, todo dia deixava o carro na garagem do edifício dos meus pais, e ia á pé pra minha casa que era perto. Então um camburão me seguia, de repente passava por mim e eles diziam ‘ viado filho da puta tem que morrer” . E eu nem pude compartilhar isso com o pessoal da militância que estava comigo naquele grupo, porque eles iriam ficar muito amedrontados. Engoli e não falei pra ninguém. Depois disso, toda a semana meu carro aparecia com os pneus furados.

Geralmente por pregos. E por fim foi roubado ás 7 da noite, a uma quadra de distância da delegacia, que era perto da academia aonde eu malhava.

Mas um fato absurdo mudou totalmente o desenrolar dos acontecimentos: um dia, um aluno da Universidade Rural fez um site onde ensinava passo a passo como assassinar um gay no Brasil. Alguém lá da Europa leu aquilo, e virou noticia internacional, a CNN Espanhola, veio pro Rio fazer uma matéria e me procurou. Eu disse que toda a militância do Rio se reuniu e agendou uma reunião com o secretário de segurança publica da época, mas no dia marcado nós fomos lá e ele nem se dignou a nos receber. Eles procuraram o tal secretário, e ele falou que era só um punhado de pessoas querendo aparecer.

Então eu fui com eles no baixo gay de Botafogo onde eles fizeram uma matéria de telejornalismo, onde eu e muitas pessoas dávamos depoimentos sobre a violência ali e no Brasil. Aquilo virou uma matéria televisiva que passou na Europa e nos USA e América Hispânica.

No dia seguinte, quando eu voltei do mestrado pra casa, tinha umas 17 mensagens de tudo quanto era emissora do Brasil querendo entrevistas e informações. Aí emplacamos o “Xô Coió” na imprensa carioca, a opinião publica ficou a nosso favor pela primeira vez, naqueles anos de AIDS e violência.

Foi nesse contexto que eu fiz a minha primeira exposição de fotos (que foi o a causa de tudo aquilo) e que bombou: foi prestigiada pelo publico e pela imprensa gay (então ainda engatinhando). Aquilo tinha uma força imensa porque todas as coisas estavam misturadas: minhas fotos com temática gay, e minha vida pessoal: a experiência brutal que passei, o jornalismo e a militância, etc.

Eu fazia mestrado sobre “produção fonográfica independente no Brasil” e a Heloisa Buarque de Hollanda, que era minha orientadora, vendo que eu estava enrolado até o pescoço com a miliância gay, virou pra mim e disse “ _Esquece a produção fonográfica e faça sua tese sobre violência contra gays”. Eu fiz isso, e foi num momento em que a academia também estava muito fechada para esses assuntos, e também foi uma guerra lá dentro. Mas na minha defesa de tese teve um monte de gente bacana, fizeram uma mesa de doces prá servir depois da defesa, e muita gente que se sentia oprimida e humilhada dentro da academia, meio que sairam do armário me apoiaram.

Sabe, quando vem um maluco e chuta a porta, os outros que estão atrás tomam coragem e seguem.

8- “Entre Amigos e Amores” é um de seus trabalhos de maior repercussão na mídia. Heloísa Buarque de Hollanda afirmou que você conseguiu efetivar “o mapeamento geopolítico dos espaços de socialização da comunidade homossexual carioca”. Como foi realizar esse trabalho e quais satisfações pessoais e artísticas ele trouxe para você?

Quase cem por cento do repertório de fotografia com temática homossexual tanto no Brasil quanto no mundo eram sobre homoerotismo. Todos os grandes fotógrafos seguiram esse caminho: Platt Lines, Herb Hitts, Mapplethope, Barão de Von Gloeden, etc etc. _e com razão, porque ninguém nunca foi discriminado e assassinado por amar uma pessoa do mesmo sexo, se esse amor for platônico, fraternal a sociedade aceita e acha bonito.

Nós fomos perseguidos durante séculos porque transamos com pessoas do mesmo sexo. Então a sexualidade é questão básica na nossa vida e cidadania. Então o erotismo é fundamental na abordagem da homossexualidade nas artes.

E por conhecer esse repertório, eu sabia que havia um vazio na representação e na abordagem dessa temática no que diz respeito a sociedade, estilo de vida, celebrações, rituais, territórios, os subgrupos dentro da comunidade e a diversidade entre eles etc. E durante anos eu investi nisso, ganhava pouco nas matérias que fazia pra imprensa gay, mas alguém estava pagando pra eu construir meu portfólio.

E aconteceu que numa matéria que eu fiz pra AK Magazine, uma revista Suíça/Alemã, eles pediram pra eu por o enfoque no comportamento e estilo de vida. No resultado final entre centenas de fotos, eu ficava ligado em três fotos de três grupos de rapazes, de três classes sociais distintas, em três lugares gays diferentes: um da zona sul , outro do centro, e um da zona sul mas um lugar bem bas-fond. Aquilo não saía da minha cabeça e as fotos nem eram maravilhosas, mas elas ao lado umas da outras tinham um conceito e um significado.

Então no FotoRio 2005 eu tomei coragem e levei meu portfólio pra ser avaliado na Leitura de Portfólio, que era um evento onde críticos e curadores internacionais enacionais avaliavam os portfólios de fotógrafos locais. E o Pedro Meyer, um fotografo muito famoso e membro do conselho curatorial da Eastman House, um primeiro e o mais importante museu de fotos do mundo, nos USA, viu meu trabalho e gostou.  Então me convidou a expor no ZoneZero que é um badalado website dedicado á foto contemporânea, criado pelo Meyer. Isso deu um respaldo critico ao meu trabalho. E no dia que eu mostrei as fotos pro Pedro, ele pôs as 3 fotos dos 3 grupos de rapazes e ficou um longo tempo olhando pra elas. Aquilo ficou gravado na minha mente.

Na época eu fazia um curso de pós graduação em Linguagem Fotográfica na Universidade Candido Mendes, onde atualmente eu

leciono. E o trabalho de fim de curso seria uma monografia ou ensaio cuja temática sugerida era ‘ os espaços de socialização do Rio” Na primeira vez qu eu ouvi aquilo em sala de aula, me deu um estalo, as coisas todas que estavam já estavam “fermentando” dentro de mim, se encaixaram.

E eu fui fazer um ou dois ensaios, em lugares diferentes, mas eu pirei totalmente acabei fazendo 17 ensaios, fotografando durante 1 ano. Foi mais uma guerra: entrar nos locais, fotografar ali, com conhecimento e consentimento das pessoas. Foi difícil tentar fazer fotos onde eu pudesse expressar a atmosfera dos lugares e a relações das pessoas, em ambientes com pouca luz, e onde eu não poderia levar grande aparato fotográfico pra não espantar nem afugentar as pessoas.

Em muitos lugares eu nem cheguei e tirar a câmera para fora da bolsa, porque não sentia que havia clima pra fotografar. Voltava ao lugar várias vezes, mas um dia acontecia, as portas se abriam. Eu saia com equipamento, ia voltava de van, de ônibus sozinho altas horas da noite de lugares muitas vêzes distantes. E não tinha nenhuma infra e ninguém me bancando pra eu realizar aquele projeto.

Na verdade eu nem sabia o que faria com aquelas fotos, porque nem tinha qualquer perspectiva de um dia poder vir a expô-las. Mas também acabei expondo no FotoRio 2007, no meio de um outro imbróglio: pois na véspera da inauguração da expo ela foi cancelada e foi censurada, e eu me meti em outra confusão danada, foi um rolo que acabou nos jornais, mas que com o apoio da grande imprensa, da imprensa gay, e da militância e simpatizantes acabou acontecendo. E jamais esquecerei do apoio que recebi da saudosa Heloneida Studart, as feministas sempre foram as maiores e fiéis aliadas dos glbts.

E até hoje exposição continua viajando e sendo bem sucedida. A única conclusão que tiro disso tudo é que quando as obras tem um significado identitário e uma emoção visceral elas tem realmente um vigor. E é por isso que eu estou aqui e faço fotografia, porque acredito no poder das imagens.

9- Em entrevista para o programa Em Cena, você afirmou que um dos objetivos de “Entre Amigos e Amores” era retirar o estigma criado em cima do segmento homossexual e como método temático/estético, “criar o espetáculo em cima do anti-espetáculo”. Você conseguiria dimensionar o impacto que sua exposição teve perante esses objetivos?

Nós vivemos na “sociedade do espetáculo” e há uma tendência na fotografia de se afirmar pelo fabuloso, escandaloso, pelo colossal ou pela miséria chocante. Só que a maior provocação do “Entre Amigos e Amores” é que o grande publico vai na exposição pra poder entrar como voyeur através daquelas imagens nos espaços gays, que eles não conhecem, e sobre os quais só imaginam coisas loucas e obscuras. Mas ao ver as imagens o choque é descobrir que (apesar das diferenças), são pessoas com outras quaisquer: os que estão nas fotos bem poderiam ser seus pais, seus irmãos, seus filhos, seus avós.

Porque durante décadas o que a grande imprensa sempre colocava nas fotos das matérias com temática gay era sempre: o esquisito, o extravagante, o exótico, o patético. Mas eu segui o caminho diametralmente o oposto, e isso tem um peso de humanização, que vai na contramão da demonização que os conservadores lançaram e lançam sobre a comunidade homossexual.

E pro publico gay a exposição tem o objetivo de fazer as pessoas se verem, pois vivemos numa sociedade esmagadoramente heterossexual onde o modelo é hetero e tudo o que vemos a nossa volta deve seguir esse padrão. E nós temos que nos ver, e de uma maneira positiva, pra criarmos no plano do simbólico uma boa auto-imagem. E tambem era para mostrara diversidade e a pluralidade dentro da nossa própria comunidade. Nem todo mundo é barbie e mora na zona sul. Um blogueiro disse no seu texto sobre o evento, que minha exposição “parecia gritar nós somos muito diversos.”

10- Você teve diversas experiências com veículos americanos e europeus como em seu trabalho na “Tetu Magazine”, “Siegessauele”, FAB, etc. Tendo essas experiências como parâmetro, de que forma você enxerga o mercado editorial voltado ao público gay no Brasil?

A cultura popular e a comunidade gay no Brasil surgiram e floresceram nos: salões de cabelereiros, nos ateliers de costura. E na época dos cassinos, através dos funcionários que produziam os shows: cenógrafos, figurinistas, aderecistas (que depois foram pros barracões das escolas de samba), e ainda na ópera e nos musicais: com os bailarinos, atores e cantores. Esses eram os únicos lugares onde uma pessoa poderia ser homossexual e se expressar, produzindo cultura, e se socializar criando um grupo de amigos, sem serem banidos ou reprimidos.

Isso funcionava pela lógica dos haréns: os gays seriam os modernos eunucos, então um marido classe média ou mesmo rico, poderia levar sua esposa num salão de beleza, ela iria ficar horas sendo atendida tocada, acariciada por homens sem problemas. Elas não se interessariam por esses homens pois eles eram efeminados, e eles não se interessariam por aquelas mulheres. Nesses lugares interessava à sociedade machista que o trabalho fosse feito por homossexuais. Da mesma forma no jornalismo: as revistas femininas, as revistas de moda, e as colunas sociais, eram feitas também em grande parte por homossexuais, pois eles estavam mais próximos e tinham acesso do mundo feminino pelas razões citadas acima.

Então ainda temos no imaginário do meio homossexual uma herança do ambiente de trabalho dessas pessoas e de sua postura profissional: a leveza, a frivolidade, a rapidez, a objetividade, a aparência como sendo o centro de tudo, e o desinteresse por assuntos políticos, densos, ou mais dramáticos. Só que essas qualidades são perfeitas prum salão de beleza e não pra vida real, onde esses próprios profissionais tem um outra postura, porque a frescura e a frivolidade são boas pro trabalho deles, mas não funcionam nos seus quotidianos. Isso criou um mito, e pior que isso, um modelo de comportamento de que todo homossexual é burro, frívolo e só se interessa por bobagem e moda. E que jornalismo gay só funciona se for feito dentro desse registro, senão não vende.

No começo da minha participação na imprensa gay, eu me debati com isso, porque os editores me diziam “ mas gay não lê nada sério, só gosta de bobagens e as matérias tem que ser curtas senão eles se cansam.” Como se esse tipo de “gay” fossem todos os homossexuais da face da terra. Nas revistas eu era obrigado a cortar metade das matérias porque não havia espaço.

Mas quando eu fui pra internet a coisa mudou: eu fazia matérias longas, muitas delas densas, e os editores punham tudo ali, porque havia espaço de sobra, e se havia um trouxa pra trabalhar muito, ganhando pouco pra escrever tudo aquilo, era vantagem pra eles. Mas aí as coisas mudaram, porque internet tem contagem de pageviews. Eles viram que aquelas matérias repercutiram muito, inclusive com os posts (esse também é um recurso interativo bacana da net) comentando meu trabalho. E eu fui fazendo as coisas do jeito que eu queria, e provando pros editores que o público seja de cabelereiros ou de estivadores ou engenheiros é atingido sim, por uma matéria com um assunto interessante, se for bem editada, bem escrita e bem ilustrada.

Com a fotografia é a mesma coisa: a “foto gay” era baseada nas fotos das revistas de moda, e publicidade, onde inclusive a maioria do staff de produção era feita por gays.

Mas vamos combinar: não existe imagem mais careta, engessada, e sem ousadia, sem autoralidade do que as fotos de moda e publicidade. E agora com os últimos recursos do Photoshop e a influência chapante norte-americana as coisas pioraram muito: todas as imagens são ultra-multi-mega-hiper retocadas usando inúmeros filtros. Só que o resultado disso é que as pessoas ficam parecendo bonecos, parecem ser feitas de plástico.

Essa imagem é fria e desumanizada. E cria um padrão de beleza e estética inalcançável Na França foi proibida publicidade usando esse tipo de imagem porque criava no imaginário das pessoas, especialmente os jovens, um ideal de beleza e estática irreal. E isso traz danos morais e psicológicos nos jovens pois toda nossa sociedade é calcada em cima de modelos: de atitude, de valores, de beleza e comportamento.

Uma coisa que eu gostaria de dizer pros editores: esse tipo de imagem além de ser sem ousadia e qualidade artística nenhuma, é fria.

Ela impressiona, mas não emociona, não toca as pessoas, não faz com que elas se identifiquem. E é danosa para o meio gay. Nem acho que venda revistas. As pessoas se sentem vazias, insatisfeitas e não sabem porque, é como se elas consumissem algodão doce, guloseima, e não a comida de verdade: carne, frutas, legumes, mas é disso que elas precisam.

Eu tenho certeza do que digo, porque não sou naíve, estudei a fundo e conheço o repertório das imagens, e também vejo o feedback do público ao meu trabalho: eles se emocionam, refletem e se identificam com as imagens que muitas vezes são distorcidas, borradas, granuladas ou sem retoque algum, porque antes da “beleza” e da “técnica” muito discutíveis e relativas, elas expressam, elas tentam comunicar.

Eu fotografei pra umas revistas de millitância norte-americanas, e acabei dando uma busca e olhando esse repertório, e fiquei feliz com o que vi: a maioria dessas revistas e jornaiszinhos, (são uma imprensa nanica, de atuação geralmente para a comunidade local), usava imagens muito bonitas, com apuro estético, havia belos retratos, uma arte gráfica de bom gosto, mas não tinha absolutamente nada a ver com as fotos de publicidade e moda. As fotos mostravam gente com cara de gente. E não beldades e celebridades ultra-retocadas e pós-produzidas. Eles tinham consciência dessa questão estética-imagética e caminhavam em outra direção. Uma revista gay não precisa ser uma sub-Vogue, uma sub-Marie Claire pra vender.

11- Quais são seus os próximos projetos?

"Bom a “Entre Amigos e Amores” será apresentado no “Festival Visible” em Madrid, . agora em julho, é um dos festivais de cultura glbt mais importantes da Europa e minha exposição será individual e realizada numa galeria que pertence á Pós-Graduação da Faculdade de Belas Artes de Madrid. E a “Luana Muniz,a rainha da Lapa” será apresentada no festival de Turin, agora em setembro, é um festival badalado de foto contemporânea, não é um evento gay, e eu fui escolhido em meio a vários artistas para participar desse festival.

Meu grande projeto é fazer o um ensaio sobre os espaços de socialização glbt do Brasil, realizado em pelo menos sete capitais do Brasil e em algumas cidades do interior onde a cultura gay é expressiva. Seria feito também o registro das paradas gays dos locais e das pessoas que fazem parte do movimento gay neste momento da história. Isso resultaria numa exposição itinerante pelo Brasil e um livro de fotos.

O governo brasileiro investe em apoio econômico a paradas gays que acontecem em todo o Brasil, nos lugares mais remotos até as grandes cidades. Mas não há registro sistemático desses eventos, nem da cena gay local, cada local com suas particularidades, pois o Brasil é rico em expressões originais, nós misturamos o que vem lá de fora, da cultura massiva gay internacional com o que já existe aqui e criamos algo novo.

E esse momento que vivemos é único em 2 mil anos de história. O movimento pela conquista da cidadania glbt é planetário: vem desde o Tibét, passando pela África e países mulçumanos onde ser homossexual é crime punido com morte, até aqui na América do sul machista e na Europa do leste e do oeste. No futuro este momento vai ser lembrado como um período de grandes mudanças sociais. E o Brasil faz parte desse movimento mundial de uma maneira vigorosa, aqui estão as maiores paradas gays do mundo.

Mas aqui nós não temos registro nenhum disso com qualidade, com arte, feito de uma maneira sistemática e com experiência. E eu estou aqui. Desde o início e dediquei minha vida a isso.

Com objetivo de expandir meu trabalho, seja produzindo novos ensaios ou realizando exposições, tenho recorrido a editais públicos de apoio à cultura. Algumas vezes é um caminho tortuoso e burocrático, o que impede que artistas independentes como eu não se beneficiem no nível que realmente preciso.

Já com o empresariado gay, são poucos (mas existem) os que se interessam e entendem a importância de investir na cultura e não

somente no entretenimento objetivando lucro imediato. Acredito que com o tempo os empresários brasileiros atuem como os estrangeiros, entendendo que investir em cultura fortalece seu negócio e desta forma, perpetua sua marca com algo de valor. O público gay reconhece isso e retribui.

E no Brasil não existem mecenas. Nos países desenvolvidos, quando um artista consegue o reconhecimento fora do meio, como eu

consegui, os gays ricos e poderosos bancam seus projetos, porque sabem que ele é porta-voz da sua comunidade. E que cultura e arte são moeda corrente: promovem a cidadania e a boa imagem daquele segmento diante da sociedade.

Espero que isso mude. Mas eu sigo em frente, porque não vim ao mundo à passeio rssss."
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