O Fantasma da Máquina FotoRio 2013 Este projeto de exposição é resultado de um ensaio fotográfico noturno na paisagem urbana do Rio de Janeiro, feito num cruzamento de ruas em Copacabana, um local emblemático da vida noturna carioca. Ali, as imagens de um mesmo lugar se desdobram em várias e se descolam do real, criando um cenário onírico. Isso é feito pelo simples uso de um brush (pincel do tipo aerógrafo) sobre as fotos, que tinge de negro uma parte da cena, onde passam em primeiro plano ônibus em alta velocidade. Com apenas esse recurso, o fotógrafo Pedro Stephan cria cenários surreais onde uma ação paralisada pela câmera se dá em camadas, sendo metáfora da aceleração absurda que vivemos, nessa era da revolução tecnológica e globalização. O ensaio é também sobre espaço público, (ainda que noturno, da vida noturna), onde se desenrola a ação, enquanto espaço afetivo, um território habitado e carregado da memória afetiva do passado das pessoas. Então, quanto mais o tempo acelera, maior acúmulo de memória nesse curto espaço de tempo, bem mais rápido do que as pessoas podem suportar ou digerir as transformações drásticas nas suas vidas. As velozes transmutações na paisagem criaram outras realidades, apareceram outros atores em cena: novas pessoas e as outras novas máquinas, nossas cidades são povoadas também por máquinas. Elas fazem parte do nosso mundo e são uma extensão e projeção de uma característica humana: o homem é um animal tecnológico, que reinventa o mundo á sua imagem e semelhança. E hoje, humanosmáquina, vivemos e somos parte dessa engrenagem. Neste momento da história da humanidade, existem perguntas que não querem calar: como espécie humana vai continuar crescendo sem destruir tudo á volta? E quando todos os recursos da natureza começarem (já começaram faz tempo...) a se esgotar, num planeta super habitado, como será? Essa angústia trespassa o nosso quotidiano, onde estamos de olhos vendados e apegados á uma rotina aparentemente inabalável. Até que mudanças climáticas absurdas ou terremotos, secas, degelo da calota polar, inundações, furações, tsunamis,surgem como sinais irrefutáveis da destruição e desequilíbrio do meio ambiente. Vivemos num cenário convulsivo e voraz, dominados pela lógica ultraconsumista e “delivery” de um capitalismo triunfante, onde a falsa realidade é criada pelas campanhas publicitárias, e as religiões fundamentalistas tomam espaço cada vez maior, com suas respostas simplórias, para aplacar a perplexidade humana diante da vida, e de um futuro imprevisível. Rasgando a capa da realidade quotidiana, dos nossos pequenos afazeres na nossa luta diária pela sobrevivência, podemos enxergar o fantasma das maquinas que habitam as cidades. Olhar da Crítica O que se impõe, à primeira vista, na fotografia de Pedro Stephan é uma economia de meios extremamente concisa. Os planos e volumes em que se desdobra o seu trabalho se articulam numa estratégia minimalista que aponta para o despojado e não várias vezes para o parco. Disso resulta uma imagem elegantemente refinada da qual estão ausentes truques e floreios, vale dizer: todo risco de sobrecarga visual, de saturação. Esse partido estético assegura ao olhar a integridade de seu papel de buscador, não o aturdido pela profusão, mas sinalizando , contidamente, um tranqüilo convite à descoberta e à surpresa. E a sutileza desse dizer é tanto um dado a valorizar, quanto mais tivermos em mente as incessantes possibilidades que a tecnologia- marcadamente a informática- tem aportado á fotografia. Na obra de um artista que detém de maneira competente e inventiva, o domínio desse arsenal, a austeridade da linguagem não pode ser interpretada apenas como um exercício de estilo. Mesmo devendo necessariamente ser vista como uma valorização intransigente do signo enquanto núcleo do processo (ou seja, como um rigor discursivo) esse cuidado, esse quase pudor de resguardar-se de uma legibilidade mais imediata (provavelmente empobrecedora) suporta, na área dos significados, uma contrapartida identitária de autodescoberta e confissão. Há algo de muito importante por trás dessa postura resoluta de uma signação referida ao pouco e preciso, articulada como um vocabulário enxuto até o voluntariamente exíguo. E essa opção corresponde, no plano dos conteúdos, a uma busca que recusando a estetização, transita do estranhamento ao primal, até o “perto do coração selvagem” Joyceano. “Eu tirei tudo o que me remetia ao real e deixei o estranho, o sensual, o poético, o onírico, para que a metáfora visual se revelasse” diz o artista falando de seu processo em “O Fantasma da Máquina”, sua instigante e mais recente série. Nela , obra e autor se uniram de maneira inquisidoramente especular. Especularidade que, por entre as dobras do seu código fechado, quase criptográfico, acena ao olhar com generosos espaços de decifração e empatia. Como ele próprio confessa, aliás, no mesmo depoimento “descobri nas imagens deste ensaio a projeção de muitas coisas que trago dentro de mim.” Há uma atmosfera envolvente nessa série com suas delicadas, espirituosas (e por vêzes irônicas) vinhetas de luz pontuando densidades e opacidades cenográficas. Há sobretudo o movimento, subvertendo composições e truncando planos onde o olhar é surpreendido até o desconforto. Há um feixe de referências que o artista cita no texto acima (Hopper, Collares) e outras que embora nítidas, não lhe terão ocorrido, como os protocinemas alemão e russo, com seus Caligaris e Potemkins ou os ritmos vertiginosos do Futurismo. Subjaz á sua construção toda uma polifonia de heranças, influências e parentescos, como não poderia deixar de acontecer no caso de um autor em quem o denso aparato teórico serve a um fazer exímio. O mais importante, porém, de “O Fantasma da Máquina” é sua metáfora, que corre como um poderoso rio subterrâneo pelo subsolo de suas imagens. Pelo denso de suas águas é que toda a leitura do conjunto deve começar e terminar. Ruy Sampaio |
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