Luana Muniz, a rainha da Lapa Sob o signo do estranhamento, o fotógrafo Pedro Stephan apresenta o ensaio, Luana Muniz, a rainha da Lapa. Revelando em raras imagens, eros e thanatos em potencial na rotina da travesti, empresária e poderosa chefona das bonecas da Lapa. Esses registros foram realizados em tempos diversos, e adicionam um importante ítem ao inesgotável mundo imagem que nos cerca. O transgênero é um tema praticamente inexplorado na fotografia brasileira, mais por tabu, do que por fascínio, quando em verdade, existe de forma gritante e constante em nosso cotidiano. Do ponto de vista dos travestis, bizarros são os outros que os rejeitam. Mesmo que saibamos de executivos pegos com a mão na massa no trajeto de volta do trabalho para o sacrossanto lar, ou do jogador milionário flertando com monas bicudas, que barra! A temática dos transgêneros faz parte da história da vida mundana carioca e tem incendiado o imaginário popular por várias décadas: dos Dzi Croquetes ao Gala Gay. O Rio foi o palco onde surgiu nos anos sessenta o “Les Girls”, primeiro show de transformismo do Brasil e da América Latina, aqui foram reveladas ao mundo, estrelas como Rogéria, Eloína, Laura de Vison, Roberta Close. Antes deles o famoso malandro, Madame Satã, se travestia, enfrentava a opressão da ditadura Vargas, e acabou tornando-se um ícone da Lapa boêmia e rebelde que resistiu à repressão moralista dos anos 30 / 40. Isso faz parte da lenda urbana carioca. Sabemos que em todas as sociedades e épocas existiram transgêneros e transexualidade, feminina e masculina. Entretanto, os transgêneros têm sido demonizados e massacrados ao longo da história por fundamentalismo religioso e falsos moralismos, amparados pela força do vil metal e dos podres poderes vigentes, em nome de uma normalidade produtiva e hipócrita. A Microfísica do Poder de Foucault em tempo real. Pedro Stephan investe frontalmente contra o preconceito que cerceia a complexa questão da transexualidade, reflete com a autonomia por ser pioneiro da abordagem da temática glbt na foto brasileira na era pós-aids. Um dos trunfos desse mosaico de informação é a variação possível de leitura a ser operada pelo espectador. Lemos através de suas fotos um jogo visual de registros em seqüência-narrativa do trottoir das bonecas, comandas por Luana, nas calçadas da Avenida Mem de Sá. Performances marcadas por olhares, gestos e todo um código secreto de comunicação, criado dentro de um dado segmento social. As imagens documentais de Stephan estão calcadas no real, mas abordam um mundo de fetiche e transvestismo, remetendo o espectador a um universo noturno permeado de signos incisivos e diáfanos: espectros, tatuagens, corpos transformados, sombras e olhares libidinosos. O fotógrafo decodifica a estranha linguagem na pista do trottoir trans, respeitando os limites impostos por Mona Luana, síndica inequívoca das calçadas noturnas da Lapa. A travesti-mór encarna a trajetória de uma parte considerável dos transgêneros no Brasil: geralmente expulsos (ou rejeitados) de casa, pelas suas próprias famílias ainda muito jovens, são praticamente forçados à prostituição como única forma de subsistência. Na pista e no trottoir a dicotomia natureza x cultura é suplantada pelos devaneios da imaginação erótica, em parte construída pelas próprias travestis, num território fronteiriço entre necessidade e sedução. O infravermelho da câmera de Pedro Stephan revela a zona oculta de um mundo à parte, que sabemos existir, mas pouco se conhece a não ser pelo filtro da rejeição, do preconceito e da piada travestida de medo. Dez noves fora, o ensaio de Stephan é dedicado a nós, cegos que não querem ver. Marcos Bonisson Luana Muniz, the queen of Lapa Under the mark of the strange, the photographer Pedro Stephan presents his photographic essay, “Luana Muniz, the queen of Lapa”. Depicted in rare footage, Lapa's so-called cross-dresser, impresario and mistress epitomizes Eros and Thanatos. These shots were made at different times, and add an important item to the endless world-image that surrounds us. The transgender issue is virtually untapped in Brazilian photography, more due to taboo than to fascination, when in fact it is so blatant and constant in our daily life. From the point of view of transvestites, it is those who reject are seen as bizarre. Even if you know of executives caught red-handed on their way back from work to the sacrosanct home, or of the millionaire football players often seen flirting with trannies on the street corner! The transgender issue is part of the Rio's street life and has kindled the popular imagination for decades: from the Dzi croquettes (a 70's theatrical/dance troupe) to the Gala Gay, sophisticated carnival ball which made history in Rio nightlife in the 70's and 80's. Rio was the stage of acts the likes “Les Girls", the first transformers´ show in Brazil and Latin America, giving wings to names like Rogéria, Eloína, Laura de Vison, and Roberta Close. Before them was the famous trickster, Madame Satan, who stood up against the oppression of the Vargas dictatorship, and eventually become an icon of bohemian Lapa and a rebel who resisted the repressive morality of the 30's and 40's. The name has become a legitimate Rio urban legend. We know that transgenders, male or female have existed in all societies and eras. However, the transsexuals have been demonized and lambasted throughout history by religious fundamentalism and false moralism, supported by the strength of metal vile and rotten existing powers in the name of productive and hypocritical social norm. The Power of Foucault Microphysics in real time. Pedro Stephan charges head-on against the prejudice surrounding the complex issue of transsexuality, while reflecting the autonomy of adopting a novel approach to LGBT issues in photography in the Brazilian post-AIDS era. One of the strengths of this mosaic of information is the varied interpretations that can be made by the viewer. Through his photos, we engage in a game of sequenced visual recordings, the narrative of trottoir puppets, under the hand of Luana, on the sidewalks of Mem de Sá Avenue. Performances marked by looks, gestures and an entire secret code of communication, created within a given social segment. The images documented by Stephan are based on the real, but addresses a world of fetish and transvestitism, leaving the viewer to a universe immersed in incisive and pellucid signs: spectra, tattoos, transformed bodies, shadows and libidinous looks. The photographer decodes the peculiar language of the street performing world within the limits imposed by Mistress Luana, undoubtedly the queen of the nightly sidewalks of Lapa. The arch-transvestite personifies the trajectory of a group of transsexuals in Brazil: usually expelled from home or rejected by their families at a young age, they are practically forced into prostitution as the only form of livelihood. On the dance floor and the sidewalk the dichotomy of nature versus culture is supplanted by erotic reveries of the imagination, partly built by the transvestites themselves, a border territory between need and seduction. The infrared camera of Peter Stephan reveals the hidden area of a world apart, which we know exists, but the little known of it is run through the sieve of rejection, prejudice and fear disguised in form of transvestite humor. Brilliant, Stephan's shoot is dedicated to us, the blind who refuse to see. Marcos Bonisson |
Evento |
Midia |
[Voltar] |