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Versão integral da entrevista concedida
à jornalista Karina Conde do Portal Vila Dois


O fotógrafo Pedro Stephan escolheu como foco de suas lentes as transgêneros da noite boêmia carioca. Ao longo de 3 anos de trabalho no bairro da Lapa, ele registrou inúmeras cenas e escolheu 140 imagens para compor um ensaio que tem como personagem principal, a travesti Luana Muniz.

“Luana é a poderosa chefona das "bonecas" da Lapa, uma versão contemporânea do histórico malandro Madame Satã, que reinou no bairro nos anos 40. Esse ensaio artístico rompe um tabu revelando as personalidades do basfond carioca”, conta Pedro.

O olhar condescendente e humano para a realidade das travestis, revela também os momentos em que param para descansar, beber um refrigerante, retocar a maquiagem ou apenas bater-papo. Segundo o fotógrafo e crítico Marcos Bonisson, o transgênero é um tema praticamente inexplorado na fotografia brasileira, mais por tabu, do que por fascínio. “A câmera revela a zona oculta de um mundo à parte, que sabemos existir, mas pouco se conhece a não ser pelo filtro da rejeição, do preconceito e da piada travestida de medo”, analisa Bonisson.

Pedro Stephan, que recentemente participou do FotoRio 2009 - Encontro Internacional de Fotografia do Rio de Janeiro, concedeu uma entrevista ao Vila Dois, contando sobre seu trabalho:

Por que o tema “travestis da Lapa”?

Porque a Lapa tem uma história na boêmia brasileira e carioca. Desde o iníco do século XX lá se concentravam os cabarés e nightclubes, que eram frequentados pela classe artística e pessoas do basfond, então é uma tradição. Por ali passaram Noel Rosa , Ary Barroso, Aracy de Almeida, todos os grandes nomes da música popular, pois nos cabarés havia música, garotas e... transgêneros. Foi lá que o famoso malandro Madame Satã se transformou num mito, ao enfrentar sozinho a polícia homofóbica da ditadura Vargas. Além disso, a Lapa é uma cenário estupendo pra qualquer fotógrafo: os arcos centenários, o casario, as pessoas, a luz noturna, e a atmosfera, algo indescritível e impalpável que está ali, uma energia que acho que consegui captar e colocar nas fotos.

Quando começou a acompanhar a vida dessa travesti?

Sou jornalista de formação e comecei apenas escrevendo. Como trabalhava para imprensa gay que é pequena, podia fazer as duas coisas ao mesmo tempo:escrever e fotografar, coisa que faço até hoje. E uma vez fiz uma pauta de texto e foto para um site gay sobre a Turma Ok, que foi o primeiro clube gay brasileiro, fundado em 1964. Lá conheci a Luana, que se apresentava nos shows de dublagens.

Quando fui fotografar o camarim pra minha exposição "Entre Amigos e Amores, os espaços gls do Rio" eu estava no camarim fotografando, ela chegou, roubou totalmente a cena, e esqueci dos outros e fiquei fotografando apenas ela. Quando vi o resultado decidi que tentaria fazer um trabalho só com ela.

O que a diferencia das outras?

Ela tem quase 40 anos de travestismo e prostituição, não morreu de Aids, não foi morta, não está presa, não se afundou nas drogas, saiu de casa jovem como toda transgênero porque a família não aceitava, mas está aí como líder comunitária porque sabe negociar, é organizada, sabe lidar com suas afilhadas: as protege e cuida delas, e tem um bom relacionamento com seus clientes. Além disso, ajuda as pessoas do bairro, é articulada e inteligente. Poderia dizer que ela...venceu. Ainda que seja no basfond.

Ela é empresária do quê?

Ela tem uma lojinha de roupa que aparece na foto ao fundo, e se tornou sócia da Turma Ok. Além disso é presidente de uma associação de trangêneros.

O que mais o deixou chocado nas suas peregrinações? Violência? Drogas?

Não vi nada que tenha me deixado chocado. As transgêneros que ficam na área da Luana não se drogam, e se alguma começa a fazer isso e se afunda nas drogas ela a interna pra uma desintoxicação! rssss Também não tem violência ali por causa da Luana, que é chamada de "Síndica da Lapa". Pensando bem, a única coisa que me chocou foi o fato de, como a Lapa está super na moda, o público burguesinho que nunca veio para estes lados. passava por ali e fazia caras e bocas Davam risinhos e falavam coisas idiotas, como se elas fossem seres de outro planeta. E quando eu estava tranquilamente conversando com elas ali nas calçadas, sempre passavam fazendo uma cara maliciosa de "ih ele vai pegar essa travesti". Isso sim me chocou de ver como as pessoas "comuns" são tão tacanhas no seu sacrossanto preconceito.

Há uma intenção de derrubar tabus com as suas fotos?

Há o desejo de enfrentar esses tabus, o primeiro tabu é o da fotografia brasileira, onde só aparece travesti atrás das grades ou aqueles das páginas policiais. Quando não é isso são as estrelas trans dos palcos gays. Mas essas que fazem sua performance diária ali na pista são ignoradas e mal vistas. O segundo é um olhar tolerante, benevolente que eu lanço sobre o trottoir transgênero mostrando: a sensualidade, a fantasia das trans que passam o dia inteiro bolando e criando o figurino, a make up, e a pose com que vão fazer na sua performance noturna nas calçadas.

E ainda mostro o lado off da coisa: elas param pra estivar as pernas cansadas de tanto ficar sobre saltos altos, tomar rerigerante, bater-papo. São seres humanos como outros quaisquer. Podem ser gentis, simpáticas, amáveis com qualquer pessoa e carinhosas com seus clientes. Temos que respeitar a diversidade e aqueles que são diferentes de nós. E ter tolerância com certas coisas que nem são completamente boas, nem totalmente más como a prostituição, a profissão mais velha do mundo. Nem tudo está dentro do registro do certo/errado, bem/mal, ruim/bom, as coisas são relativas. Sem isso jamais conseguiremos construir uma sociedade verdadeiramente democrática. / Por Karina Conde
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